terça-feira, maio 19, 2009

Violeta

Ela é uma moça. (quase mulher)
"Eu sou forte". Isso seria mais que um mantra, talvez já não fosse mais um mantra, mas sim um estado de espírito, uma oração silenciosa. Uma oração tímida e silente, sussurrada por lábios vermelhos como sangue e gélidos como chuva. Em desespero, é uma simples frase que precisa ser repetida diversas vezes. Reiteradamente, como se sua repetição fosse capaz de fazê-la permear em seu ser, invadir suas entranhas e lá se instalar. Sabia que não era forte, mas precisava ser, tinha que ser. Sua existência dependia dessa necessidade.

Não conseguia mais criar vínculos. Sua vida até aquele momento estivera repleta de tragédia. Seus sorrisos eram formados pela pressão dos lábios e uma risada fraca e estridente, como se estivesse manchada. Era um sorriso, uma risada que tentava ser livre mas não conseguia. Não conseguia se desvincilhar do choro. O choro já parecia tão natural em seu rosto que rir parecia ser algo que contrariava sua natureza. Sua natureza é a amargura.
Seus vínculos eram fracos e diluídos, como uma imagem formada na fina camada da água. Qualquer movimento renderiam tais laços turvos e esquivos, fugitivos.
Eram covardes, esses vínculos.

Tinha uma grande profissão. Sua grande profissão, que lhe trazia frutos e a permitia viver era importante e lhe tomava todo seu tempo, mas era boa naquilo que fazia, muito boa, inclusive.
Fingir. O que são profissões senão papéis que indivíduos desempenham para conseguirem encontrar um meio de viver...? A profissão dela era fingir. Seus sorrisos, palavras e gestos fingidos eram tão fluídos e perfeitos. Seu andar que dançava, escorrendo e vazando de mesa a mesa (afinal, sua segunda profissão era garçonete), seu sorriso brilhava e ensejava empatia, sua voz era rápida e suave, convidativa, vendedora e profissional.
A quantidade de creme emulsionado que vinha no café fraco e amargo era extravagante. E a cereja de tão vermelha e simétrica lançava olhares de desafio a quem se interessasse.

Era escura, sua vida. Tons sobre tons de sombras e penumbras eram seus rastros, suas pegadas. Sua mente parecia carecer por férias, pedia por algum descanso, alguma liberdade. Mantinha-a presa e contida dentro da caixa que criara, intitulada de realidade, necessidade. Força.
Sua mente se rebelava. Ora em seu apartamento, ora em seu serviço. Obrigava-a a vomitar tudo que mantinha guardado, tudo que tinha medo que os demais vissem. Sua fraqueza. Tabu. Palavra suja, agourenta essa... fraqueza. Ela era forte, ela era.

Sentia dois apres de olhos em sua nuca. Dois pares de olhos grandes. Um deles eram velhos e cansados, olhavam-na com uma mistura de desprezo e abandono, mas ao mesmo tempo com um desejo contido e silenciado, como se clamasse por piedade. Eram olhos de vítima que pediam para que parasse de ser agredido. O outro par de olhos era ainda mais cruel. Eram olhos amorosos. Olhos de amor... pesados, muito pesados. O peso do amor era insuportável, um fardo terrível. Aqueles olhos alfinetavam-na pelas costas, desejando bem a ela, querendo o melhor a ela. O amor egoísta e mesquinho, que tudo devora, que tudo consome. A corrosão lenta e sutil... bem aquela que começa pelos lados de forma indolor.

Mas ela era forte. Ela é forte. Isso sim. Ela é forte.
Ela é uma flor. Que apresar de ter crescido numa garrafa de cerveja, é forte.
[de tantos falecimentos, seu nascimento ocorrerá em breve]

2 comentários:

Jean disse...

Isso já tá começando a ficar chato u____u ...

Diogo disse...

Eu adorei a idéia de profissão e desempenhar papéis. Achei muito, sei lá, poética e elegante. E inteligente. Acho que por você ter pegado algo de ordinário, chato e monótono e mostrado uma visão original e criativa de trabalho. Na verdade, isso me pareceu algo vindo de um livro da Marina Colasanti, e eu adoro os textos dela.

O que seriam os pares de olhos? Para mim, o primeiro parecia algo de dentro dela, como se fosse a verdadeira ela pedindo que ela parasse de fingir, de desempenhar papéis e também desejando que a vida, o ambiente em que ela vive permitisse que esta pudesse ser feliz e pudesse florescer.
Já o segundo eu acho que é mais uma fantasia de amor, como se ela fantasiasse ser amada por alguém. Pensamentos desse tipo são geralmente egoístas, a pessoa imaginada é imaginada como se fosse perfeita e disposta a querer e fazer o melhor para quem imagina.

Mas... que tal uma explicação sobre estes textos? Sei lá, como você começou a escrevê-los ou o qual o significado deles. Algo assim